Verônica Raquel
  "Papai era pescador, mamãe lavadeira..."
  Trecho de "Lição de Vida", música de Mestre Reginaldo - Foto: Kithi 

Canto e dança no Abaeté...
por  Gabriela Araújo, Larissa Nunes, Lucas Gravatá e Stefani França

***

...samba DE MAR ABERTO
As Ganhadeiras de Itapuã

- Xaréééu!
- Robaaaaalo!
- Guariceeeeema!
- Peixe-gaaaalo!
- Sardinha e petitiiiinga!
- Preta Maria chegoooou!

Os gritos escorriam pelas ruas de Salvador, entravam pelas portas e janelas, acordavam os moradores.

Eram as mulheres de ganho de Itapuã, mercando os seus produtos com o tabuleiro na cabeça ao amanhecer.

Elas seguiam a pé, descalças, percorrendo longos trajetos até chegar ao centro da cidade.

Quando era dia de maré alta, elas não desanimavam e cantavam até a maré baixar.

Com seus longos vestidos coloridos, turbantes estampados, pulseiras e colares feitos com sementes de plantas típicas da região, a mercação das ganhadeiras podia ser escutada aos quatro ventos e muitas vezes incomodava os moradores vizinhos.

“Muitas das pessoas que moravam naqueles casarões não aceitavam as mercações das ganhadeiras à noite, pois incomodavam o sono delas e dos filhos. Com a ajuda do governador da época, J.J. Seabra, elas foram extintas", queixa-se Dona Anamaria das Virgens, que vivenciou a jornada das mulheres de ganho.

Ouça - Dona Anamaria das Virgens fazendo a mercação

Mas algumas dessas mulheres resistiram, continuando a vender seus produtos nas ruas, pois era desse trabalho que tiravam o sustento da família.

E foi embalado pelas lembranças nostálgicas da cidade de Salvador do século XX que nasceu o grupo cultural As Ganhadeiras de Itapuã, resgatando as memórias do bairro, em forma de música e dança.

Mulheres negras da Baixa do Dendê, em Salvador, revivem a narrativa da lavagem de ganho no Abaeté. “Eu lavava roupa de ganho para nove famílias, dez com a de casa", conta Maria de Xindó. "Eu levava uma bacia na cabeça e foi dessa lavagem que criei os meus filhos."

A mãe de Maria trabalhava na rua, tabuleiros na cabeça. "Minha mãe era mercandeja; fazia beiju, plantava mandioca e saia para vender." 

Mercandeja era uma expressão muito usada nos séculos XIX e XX, para identificar mulheres negras (em sua maioria), que mercavam (anunciavam em voz alta) produtos de primeira necessidade como hortaliças, cocadas, peixes e frutas, sempre com tabuleiros equilibrados na cabeça.

Facilmente identificadas pela sua voz, as mercandejas perambulavam pelas estreitas ruas da cidade, cantando e vendendo suas iguarias.

A atividade de mercação pode ser vista até hoje nas praias, parques e ruas de Salvador. 

-- Olha o coooco!

"Você não vê? Os que vendem picolé também mercam, mas não com aquele lamento que tinham no passado", diz Dona Anamaria. "Aqui na rua mesmo tem uns meninos que vendem tempero verde, couve, vendem várias coisas. Tem um menino mesmo que eu acho lindo ele mercando, eu me lembro do passado", disse. "Ele merca tão lindo, com aquela voz que ele tem!" 

Escrava mercandejando
Hortaliças, cocadas e frutas
Escrava mercandeja, com tabuleiro na cabeça



Ô lava a roupa, lavadeira, ô lava a roupa, lavadeira do Abaeté
-- Trecho de "Com a alma lavada", música das Ganhadeiras de Itapuã

Cercadas de mistérios, as águas da lagoa escura e as alvas areias do Abaeté foram por muito tempo o local de trabalho de mulheres que chegavam com trouxas de roupas na cabeça. 

Ouça - Cantiga das lavadeiras, na voz de Dona Maria de Xindó

Eram as lavadeiras de ganho, colorindo e enfeitando o Abaeté com as roupas que secavam  ao ar livre, para no fim do dia ser passadas e engomadas, antes de devolvidas às famílias. 

"Eu lavava segunda-feira, passava roupa na terça, lavava na quarta e passava na quinta-feira; todo dia tinha o que fazer ali", conta Dona Maria Hermelita, a Dona Mariinha.

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Comissão de Frente da Viradouro
  Na Sapucaí
  Foto: Viradouro/Divulgação

“Era um trabalho bruto, mas a gente fazia com todo o prazer porque não tinha outro, lavava alegre e satisfeita, era o meu trocado honestamente”, destaca Maria de Xindó. 

Na voz  das lavadeiras fica nítido o prazer que elas tinham em exercer a atividade e a melancolia que sentem ao relembrar. 

Dona Anamaria das Virgens compara o ofício com o prazer de estar em um parque de diversões. “A gente achava aquilo uma maravilha, o mesmo que passear na Disneylândia, como falam; eu nunca fui. Mas nem precisava, a gente tinha uma beleza nossa própria. Só de chegar e saber que íamos para o Abaeté, era uma maravilha. Uma chegava contava um caso, outra uma cantiga. Sinto saudade.” 

Dona Jaciara também sente saudades da época em que estendia as roupas nas areias brancas das dunas. “Era tudo de bom lavar no Abaeté, eu já tirei o meu sustento dali. Era divertido, a gente saía de manhã cedo e só voltava de tarde”, lembra a ex-lavadeira.

As águas de Oxum davam vida e esperança às famílias que viviam do ganho. 

Além das lavadeiras, a Lagoa do Abaeté também serviu para matar a sede dos veranistas de Itapuã e das famílias que ali lavavam, pois nos anos de 1990, a região dos coqueirais não possuía água encanada, como canta Dona Eunice Jorge, conhecida como Dona Nicinha, na música Passado e Presente, do grupo As Ganhadeiras de Itapuã: 

"Água encanada, não existia
Os poços é que serviam
Lata d'água na cabeça 
Mamãe dizia, não esmoreça…"

No vídeo
Passado e Presente - Ganhadeiras de Itapuã


Para ganhar uns trocados e ajudar nas despesas de casa, muitos viravam carregadores de água, atividade conhecida como água de ganho.

É o que conta Dona Anamaria. "A gente ia juntando uma quantidade de água para carregar e, no fim de semana, as pessoas nos pagavam. A água de beber, a gente cobrava um pouco mais caro, pois íamos até uma fonte um pouco perigosa para buscar."

O dia-a-dia das lavadeiras é contado aos mais jovens, servindo de inspiração para netas e bisnetas.

Vitória Isabele tem 22 anos e  representa a geração mais nova do grupo. Ela ouviu de sua avó as histórias da lavagem de ganho. "Minha vó foi mãe solteira, com 9 filhos para criar e vendia acarajé em Itapuã, lavava roupa no Abaeté e carregava água. Tudo para ajudar na renda para poder sustentar os filhos." 

A união das mulheres de ganho e seus encontros diários no Abaeté formavam laços e consolidavam amizades,  relata Dona Maria de Xindó. "Ali foi a minha faculdade, fiz muitas amizades lavando de ganho, tenho amigas até hoje [...], então, faz falta à gente ou não faz?!", pergunta . 

Dona Mariinha também recorda melancólica as suas companheiras de lavagem. "Eram muitas amizades. Amizades que eu tenho hoje, amizades garantidas, perfeitas. Amigas grandes mesmo, compadres, comadres, irmão, primo, todo mundo" 

Em 1991 as  autoridades locais afirmaram que o sabão utilizado pelas lavadeiras poluía e matava os peixes do Abaeté. Elas foram, então, proibidas de continuar no local. 

“Poluída a Lagoa está agora! Quando as lavadeiras estavam lá, nós limpávamos os matos e as águas. Aquele lugar merece respeito e hoje em dia não estão respeitando”, denuncia Dona Maria de Xindó. 

29 anos depois a lavagem de ganho ainda é um ofício de complemento de renda para algumas dessas mulheres. A ganhadeira Teresa Cristina, conhecida carinhosamente como Lica, conta que ainda lava de ganho para algumas famílias. "Eu lavo para quem me procura, para as pessoas que trabalham o dia todo e não tem tempo de lavar, chegou, eu estou lavando para no outro dia pegar o meu dinheiro".     

Com o passar do tempo, o trabalho das lavadeiras se modernizou e hoje quase não ouvimos mais falar sobre elas, exceto quando escutamos alguma história das nossas avós ou bisavós. "Atualmente, não existem mais lavadeiras, visto que muitos já possuem máquina de lavar nas suas casas", disse Lica. 

Dona Maria de Xindó deu o mesmo exemplo, em entrevista para o documentário da Escola de Samba Unidos do Viradouro: "hoje em dia tenho uma escrava branca dentro de casa, que é a máquina de lavar." 

Mas se fosse possível elas  voltariam a lavar no Abaeté. "Se voltassem e dissessem podem lavar no Abaeté até roupa limpa eu apanharia e ia lavar de novo lá  . Porque fez muita falta e ainda faz, mas entrego a Deus", disse Dona Mariinha, 84 anos de idade.

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Verônica Raquel
  A Ganhadeira Verônica Raquel
  Foto: Kithi

"História das Ganhadeiras que viemos contar" 

 O bairro dos coqueirais, que desde sua fundação é rico em cultura e tem fortes traços ancestrais, despertou no morador Amadeu Alves, nascido e criado no local, residente há 53 anos, o desejo de reavivar as memórias dos ancestrais da região. 

 Com a perda de grandes personalidades do bairro, as reminiscências culturais do local estavam desaparecendo. Diante dessa situação, Amadeu - sempre ligado à música - criou, em 1997, o GRITA - Grupo de Revitalização de Itapuã, formado por moradores do bairro que trabalharam pela preservação das tradições. 

As inquietações de Amadeu em busca do resgate da cultura fizeram surgir em 2004, o grupo cultural As Ganhadeiras de Itapuã. "O grupo surgiu de um pensamento solitário. Me vejo como uma pessoa que estava garimpando e de repente achou uma pedra preciosa," diz Amadeu. 

Em entrevista ao podcast Itapuã Por Elas Amadeu fala sobre a importância do samba das Ganhadeiras, o surgimento do grupo e a representatividade dessas mulheres.

Ganhadeirasdeitapua · História das Ganhadeiras

Atualmente, o grupo conta com 42 integrantes, dentre músicos, diretores, ganhadeiras, lavadeiras e cantadeiras. 

Para celebrar o décimo quinto ano de fundação, o bando que revive a história de um povoado, gravou em 2019 o primeiro DVD ao vivo,  no Teatro Castro Alves (TCA), em Salvador. 

A produção contou com participações especiais de cantores baianos como Saulo Fernandes, Mariene de Castro, Larissa Luz, o sambista Seu Regi de Itapuã, a banda Malê Debalê e da escola de samba carioca, Unidos do Viradouro.

No vídeo
DVD As Ganhadeiras de Itapuã 15 anos - Uma História Cantada, gravado no Teatro Castro Alves, em Salvador
 

Desde sua formação As Ganhadeiras de Itapuã tiveram o trabalho reconhecido por diversos setores da cultura brasileira, tendo recebido o Prêmio Culturas Populares - Mestre Duda 100 anos de Frevo, concedido pelo Ministério da Cultura, como uma das iniciativas exemplares das culturas populares no Brasil. 

Além disso, elas foram contempladas na 26ª edição do Prêmio Música Popular Brasileira, na categoria Melhor Grupo e Melhor Álbum Regional. 

Em 2016, participaram do encerramento dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em um show junto com a cantora Mariene de Castro. 

Mas o reconhecimento maior foi no carnaval de 2020, pela escola de samba carioca Unidos do Viradouro, que contou a história das Ganhadeiras de Itapuã, bairro cantado por Caymmi e Vinicius de Moraes. 

São conquistas que dão brilho e motivação, conta a ganhadeira Verônica Raquel: “As Ganhadeiras são um portal para a verdadeira realidade. Pude saber de onde eu descendia e despertei uma consciência de força e resistência.”

Mas o show teve que parar. Diante da pandemia do coronavírus (Covid-19), o grupo de matriarcas suspendeu ensaios e apresentações. Em outubro de 2020, no entanto, As Ganhadeiras realizaram uma apresentação virtual para a Colômbia, representando o Brasil no Festival Internacional de Folclore La Gigantona. 

Emocionada, a Ganhadeira Lica fala sobre a experiência. "Foi muito emocionante colocar as roupas das Ganhadeiras novamente, depois de sete meses sem realizar shows."

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Ganhadeira Tereza na Lavagem de Itapuã
  Na Lavagem de Itapuã
  Ganhadeira Tereza - Foto: Bruno Concha/Secom

Itapuãnzeiras

"Nós construímos Itapuã, nós nascemos do ventre de Itapuã. Todos aqui, as lavadeiras, os seus filhos, nós viemos de lá de baixo, da raiz, fundamos o Abaeté", diz Lica, moradora e integrante do grupo. 

Os moradores do bairro têm até uma nacionalidade "própria":  eles se chamam de itapuãnzeiros. 

Segundo Dona Mariinha, "nascida, criada e casada em Itapuã", como ela diz, "ser itapuãnzeira é o prazer de morar, estar e conviver no local". Para ela, Itapuã é até uma cidade dentro de uma cidade. "Quem mora em Itapuã nunca sai dele", diz Ana Clara Pirajá, moradora há 20 anos do local e também integrante do grupo.

O amor pelo bairro é transmitido para as novas gerações. Driele Dias é bisneta de Dona Mariinha, presidente de As Ganhadeiras de Itapuã. Para Driele, Itapuã é a raiz da sua história. "Itapuã para mim significa tudo, as questões dos meus antepassados, minha família, está tudo aqui", disse.

Mas das idosas às mais jovens todas sentem falta da liberdade que o bairro dos coqueirais possuía. Segundo elas, era possível dormir de portas e janelas abertas e nada acontecia, ninguém invadia as casas e nem mexia nas coisas deixadas nos quintais ou varandas.

A ganhadeira Verônica Raquel segue otimista ao falar do bairro. "Itapuã é meu quilombo. Meu berço, é onde minhas raízes me levam a mãe África. É onde eu quero fazer o possível para resgatar, conhecer e manter nossas tradições misturadas ao novo que sempre chega [...] sem perder a conexão com o que veio antes de nós."

Itapuã

O que hoje é conhecido como o bairro de Itapuã, no século XVIII e XIX, era um território muito mais ligado ao litoral norte, com um conjunto de vilas pesqueiras, do que conectado a Salvador. 

A partir da década de 1950 o bairro passou por transformações intensas e foi de polo centralizador do litoral norte para uma cidade balneário que servia a capital baiana como lugar de entretenimento e férias, para quem buscava um refúgio da agitação da cidade.

Segundo o historiador Rafael Dantas, “a partir da metade do século XX começaram as ocupações com os primeiros conjuntos habitacionais, prédios que vão surgindo ou mesmo avenidas que vão sendo construídas na cidade de Salvador em ligação a esse eixo norte da cidade, como exemplo a Avenida Paralela e a Avenida Oceânica.” 

Ouça - O historiador Rafael Dantas explica o significado no nome Itapuã

Os primeiros habitantes do bairro dos coqueirais foram os indígenas da tribo Tupinambá. Itapuã significa “pedra que ronca”, dizem os moradores. No entanto, o historiador Rafael Dantas e o diretor artístico Amadeu Alves trazem dois significados distintos.

Amadeu Alves afirma que o nome Itapuã foi batizado por algum indígena. “Olhando ali para o Farol de Itapuã há uma sequência de pedras que vai para dentro do mar. Então, para mim quem deu o nome Itapuã deve ter sido um indígena que olhou para ali e disse: ponta de pedra.”  

Abaeté como fonte 

O bairro além de ser banhado pelas praias de Itapuã, da Sereia e do Farol de Itapuã, também é rodeado pelas dunas do Abaeté com suas lagoa,  orquídeas, coqueiros e cajueiros. 

A antropóloga Clara Domingas, que estuda o bairro para seu mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) na Universidade Federal da Bahia (UFBA), intitulado “Cultura de Areia no bairro de Itapuã: transformações de uma restinga em Salvador, Bahia (2017-2020)", explica que o Abaeté também é considerado território de diversas fontes, desde lagoas e nascentes a fonte de sobrevivência. 

Lagoa do Abaeté
Lagoa do Abaeté - Foto: Amadeu Alves

O local serve como uma verdadeira área de resfriamento para o centro da cidade, evitando que muito calor se propague. Mas além disso, é um grande símbolo cultural repleto de faces, como destaca o historiador Rafael Dantas. “Primeiro do ponto de vista da resistência do papel feminino no contexto ainda da escravidão, na segunda metade do século XIX; segundo, pela atuação dessas mulheres após a abolição e as próprias características das atividades daquele período desenvolvidas naquela região". 

Outro ponto destacado é a questão do saneamento em Salvador no início do século XX, restrito a alguns pontos da cidade. "Então, usar os rios e as lagoas para lavar roupa ou fazer outra atividade só mostra a importância daquele lugar. Temos uma região, uma lagoa que tem diversas faces de interpretação para mostrar sua relevância ao longo da história, não só o referencial do ponto de vista geográfico e urbano, mas também um lugar que está rico do ponto de vista em cultura, cantigas, as músicas que as lavadeiras cantam também tem história nesse sentido. Um lugar com muita história e identidade”, afirma o historiado. 

Para ele, a região, em especial a lagoa, "conseguiu a façanha de ultrapassar esses limites, essas barreiras invisíveis, sendo sem dúvida, um lugar que é referência e um dos ícones da região de Itapuã e da cidade de Salvador". 

O conjunto de dunas e lagoas na região possibilitou que em 22 de setembro de 1987 fosse criada a Área de Proteção Ambiental de lagoas e dunas do Abaeté (APA), a partir do decreto nº 351, com o objetivo de evitar a desfiguração e a destruição do ecossistema. 

Além de estabelecer que o Conselho Estadual de Proteção Ambiental (CEPRAM) e o Centro de Recursos Ambientais, ficariam a cargo de estabelecer instruções e aplicações de normas ambientais, de fiscalizar e supervisionar a APA, respectivamente. 

No entanto, a antropóloga Clara Domingas relata que desde a sua criação, “a APA foi sendo enfraquecida devido à construção de redes hoteleiras e de condomínios que utilizaram a areia do Abaeté, mesmo com a existência de instrumentos legais de proteção, que não foram implementados." 

Na Lagoa do Abaeté está sendo construída uma estação elevatória de esgoto pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder). A justificativa para construção da obra, segundo o órgão, é permitir um melhor escoamento sanitário, que é despejado em fossas sépticas, além de ligar a rede de esgoto de estabelecimentos comerciais e públicos do Parque do Abaeté. 

Clara Domingas diz que "essa história não é de agora".  Antônio Nativo, conhecido como Antônio Conceição Reis, foi o primeiro a denunciar uma elevatória da Conder, em 2005. Ele foi morto em 2007. 

“Existe muita alienação e muita desinformação, mas também existe essa luta que é histórica. Ela não vem de hoje, essa luta que estamos mobilizando agora, ela tem uma história, tem uma herança que vem de outras figuras do bairro, como Antônio Nativo, que perdeu a vida e criou um trauma na comunidade. Muitas pessoas não querem falar do Abaeté, vamos atrás dos mais velhos e dizem: a gente não quer se meter nessa história do Abaeté”, revelou a antropóloga. 

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Dança das Ganhadeiras
  Canto e dança
  Ganhadeiras de Itapuã - Foto: Kithi

A voz das Ganhadeiras

Enquanto lavavam as roupas e vendiam os produtos para os moradores de Itapuã, as ganhadeiras interpretavam suas canções a fim de descontrair, trazendo leveza e ritmo ao trabalho que estava sendo feito. 

Ouça - Trecho da música Canto das Lavadeiras, por Maria de Xindó

As cantigas, reproduzidas em formas de gritos e sem acompanhamento instrumental, ficaram conhecidas e viraram um marco na história das Ganhadeiras de Itapuã.

A história de vida dessas mulheres foi retratada no carnaval do Rio de Janeiro, que levou para o público a realidade vivida por elas entre os séculos XIX e XX. 

A escola de samba carioca Unidos do Viradouro foi a campeã do Carnaval 2020 com o samba-enredo Viradouro De Alma Lavada

Ouça - O samba-enredo que consagrou a Escola de Samba Unidos do Viradouro

Dona Maria de Xindó, uma das matriarcas do grupo, esteve presente no desfile e foi destaque no carro alegórico nomeado "Carro das Ganhadeiras". 

Aos 74 anos, a Ganhadeira relata que nunca imaginou desfilar em uma escola de samba e ser aplaudida pelo público carioca: "Até hoje ainda canto o enredo da Viradouro, é algo que não sai da minha mente. Foi uma emoção muito grande desfilar pela escola que sempre fui apaixonada e o acolhimento dos integrantes foi maravilhoso", conta Maria, lembrando do convite para as Ganhadeiras: "Fizemos um show com a atriz Zezé Motta, no Pelourinho. Teve distribuição de CDs e distribuímos um pra ela, que passou para os carnavalescos dizendo que ali era um samba- enredo".  

Samba de roda

Considerado patrimônio e herança cultural afro, a história do samba de roda se inicia no ano de 1860, nos antigos batuques, trazido pelos africanos que vieram como escravos para o Brasil. 

Os batuques estavam ligados a princípios religiosos e lutas, formando uma comunicação ritual através da música, dança e movimentos do corpo. 

Enraizado nas terras baianas, o samba de roda acabou tornando-se um dos ritmos mais importantes do estado e, por ter esse espaço de visibilidade e relevância, ganhou uma nova ala de oportunidades: o entretenimento, atraindo artistas e bandas que fizeram sucesso local. Um desses destaques foi o grupo As Ganhadeiras de Itapuã. Símbolo de resistência, elas se tornaram referência para a musicalidade baiana ao incorporarem o Samba de Mar Aberto, expressão criada pelo diretor musical Amadeu Alves para designar a mistura de ritmos presente na música do grupo.

No segundo episódio do podcast Itapuã Por Elas Marilda Santanna, cantora, professora e pesquisadora do pós-cultura do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC), da Universidade Federal da Bahia (UFBA)  fala sobre o samba de roda e a representatividade da mulher no gênero

Itapuã Por Elas · Podcast Itapuã por Elas - Ep.02 - Samba de roda e a representatividade feminina no gênero

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por Gabriela Araújo, Larissa Nunes, Lucas Gravatá e Stefani França