Chico Ribeiro Neto

Como ganhar todas as corridas tendo uma pimenta e um fiofó

Sons e imagens da infância

Meu pai Waldemar tinha dois grandes viveiros de pássaros no quintal de nossa casa na Rua Dois de Julho, 25, em Ipiaú, Bahia. Quando a família veio embora para Salvador ele não deu nem vendeu os passarinhos. Soltou tudo. Eu assisti a alegria da passarada ganhando a liberdade. Canários, curiós, pássaros-preto e vários outros, além da grande diversidade de periquitos. O vizinho tinha um tucano e era aquele som de bigorna o dia todo.

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Lembro também da rinha de briga de galo, perto lá de casa. Dia de domingo, minha mãe Cleonice me mandava ir chamar o velho pra almoçar. Eu chegava e ficava lá do fundo apreciando até que Waldemar me descobria: “O que é que você tá fazendo aqui?” “Mamãe mandou chamar o senhor pra almoçar”. “Vá pra casa, diga a ela que eu já vou”. Papai ganhou muito dinheiro de aposta com o galo Diamond, que todo mundo queria comprar.

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Não esqueço a imagem que vi aos seis anos: o cara ganhou uma corrida de cavalos e deu um banho de cerveja no animal. Foi quase em frente lá de casa. O cavalo tomando banho de cerveja, a caixa ao lado, onde o cara pegava as garrafas de duas em duas. O pessoal pedia uma garrafa e ele negava, era tudo para banhar o cavalo.

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Teve um cavalo em Ipiaú que passou a ganhar todas as corridas até que descobriram o segredo: alguns segundos antes da largada o dono injetava um cristel de pimenta no cu do cavalo. O bicho não parava nem depois da chegada. Dizem que só parava dentro do Rio de Contas.

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Lembro o trator que ganhei, trazido de Salvador, e que soltava fagulhas. Foi um sucesso na minha rua, todo menino queria pegar. Lembro também do que aconteceu com minha ex-mulher Beti quando era criança em Algodão, na época distrito de Ipiaú: o pai trouxe uma boneca de Salvador, maravilhosa. Bete foi passear com a boneca quando viu a filha da vizinha puxando uma lagartixa viva amarrada num cordão. “Deixa eu passear um pouquinho com sua lagartixa”, pediu Beti. “Só se você trocar ela pela boneca”. Beti aceitou a troca e chegou em casa feliz com a lagartixa no cordão. “Cadê a boneca?” “Troquei pela lagartixa”. Foi um panavueiro conseguir fazer a destroca.

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O grito “ô de casa” de alguém que estava chegando. Lá em casa a porta ficava encostada com uma cadeira. O visitante empurrava a porta e gritava “ô de casa” para alguém vir atender. Um dia, candidatas a Rainha do Milho vendendo votos, um grupo de estudantes entrou direto na casa empurrando a cadeira. Tio Rubens vinha no corredor, saído do banheiro e enrolado somente na toalha. O cachorro avançou para as moças, já no meio do corredor. Tio Rubens esqueceu que estava apenas de toalha e se agachou para chamar o cachorro. As meninas correram com o que viram.

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A viagem na marinete, onde as malas vinham amarradas em cima. A roupa lá dentro ficava toda empoeirada. Os ônibus antigamente não tinham sanitário.  Uma vez, tio Hugo estava viajando, deu uma dor de barriga e ele puxou o sinal para o motorista parar. Puxou mais duas vezes, o motorista não parou e ele gritou: “Pare essa porra desse ônibus agora senão eu vou me cagar todo”. Meu tio foi no mato e era aquela dor de barriga que você pensa que acabou e ela volta. Diante da demora, o motorista começou a buzinar e os passageiros a gritar: “Rumbora, cagão”. A salvação foi que naquele tempo todo homem andava com um lenço.

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Às 5 da tarde, em Ipiaú, os gritos das vizinhas chamando os meninos para tomar banho: “Ô, Joaquim, você vem agora ou quer que eu vá aí lhe buscar?” Minha mãe batendo no chão as formas de cocada para vender na padaria de meu pai. Batia no chão para soltar as cocadas, e a gente torcendo para quebrar muitas. As cocadas quebradas ficavam em casa, para nosso consumo. Meu avô dando murros no rádio pro bicho falar direito e acabar com aquele chiado.

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Não esqueço o que aconteceu na Junta Apuradora das eleições, situada no Instituto Central de Educação Isaías Alves (ICEIA). Era ainda o voto impresso, na década de 70, e uma repórter do jornal “A Tarde” acompanhava atentamente a contagem dos votos. Nisso, um dos apuradores desdobrou uma cédula de votação e exclamou: “Isso não existe!” O fedor de cocô tomou logo toda a sala. Não se sabe se o eleitor levou o teor do seu voto já de sua casa ou se colheu lá na hora.